Um país em guerra com a água
Há uns tempos vi parte de um documentário sobre a Holanda e a sua geografia algo especial. Já tinha estado neste país uma meia dúzia de vezes mas nunca tinha saído das grandes cidades, Amesterdão e Roterdão. Desta vez resolvi explorar de carro, durante um fim de semana, o resto do país, e em particular os sítios que simbolizam essa luta que os holandeses sempre travaram contra o avanço das águas.
Na sexta depois de almoço saí de Schiphol em direcção a sul debaixo de uma chuva quase torrencial acompanhada de um forte vento. Estas duas situações meteorológicas, muito usuais por estas bandas e que fazem com que a Holanda seja conhecida como o país da chuva horizontal, aliadas ao facto de 70% do país se encontrar abaixo do nível do mar (só por curiosidade, o aeroporto de Schiphol está 4m abaixo do nível do mar, bem como Amesterdão), faz com que ao longo dos anos inúmeros diques e barragens tenham sido construídas para travar as constantes inundações.
Devido à chuva não pude parar no Keukenhof Garden, o maior jardim de flores do mundo (a Holanda também é o país das tulipas). Continuei para sul até a província de Zeeland, e felizmente a chuva parou. Em Fevereiro de 1953, uma maré viva e uma forte tempestade no mar do Norte fez com que os níveis das águas do mar subissem 5,6m. Os diques existentes não conseguiram suster o avanço das águas e o resultado foram 1835 mortos e 70000 pessoas evacuadas. As inundações cobriram 10% da superfície do país, tendo ainda destruído 10000 edifícios e morto 30000 animais. Nasceu depois disso o Delta Project, um conjunto de diques e barragens para proteger contra estas situações. A minha primeira paragem foi no Oosterscheldekering (nome simpático), a maior destas barragens e que cortou o mar no sul do país. É uma obra de engenharia impressionante, com cerca de 15km e por onde passa uma autoestrada, foi criado um lago artificial.
Continuei a minha viagem até à pousada de juventude de Dordrecht, onde iria dormir nessa noite. Quando lá cheguei fiquei contente porque a pousada ficava no meio dum parque natural (o Biesbooch) e estava quase vazia, o que fez com que ficasse sozinho numa camarata assim não tendo de tirar para fora os tampões para os ouvidos, indispensáveis nestas situações. Depois de um jantar um pouco atribulado, em que fui obrigado a devolver uma perna de frango, resolvi ir dar um passeio junto ao lago. Terminar o dia a ler um livro junto a um lago, ouvindo os pássaros cantar é um daqueles prazeres inigualáveis.
No sábado acordei cedo mas uma forte chuvada manteve-me na cama mais algum tempo, mas deixou-me preocupado pois os meus planos implicavam um dia extenso. Por fim a chuva amainou e pus-me a caminho. Uma das razões porque resolvi ficar nesta zona foi por causa dos moinhos de Kinderdijk, 19 no total, construídos no séc. XVIII para drenar as águas da zona, e que inspiraram inúmeros quadros dos mestres holandeses como o Van Gogh. Fotografar estes moinhos com esses quadros na mente era o meu objectivo. O tempo cinzento não ajudou, ainda assim foi uma sessão produtiva.
Após os moinhos segui para norte pelo lado esquerdo do lago Idjsell, mais um criado artificialmente umas dezenas de anos atrás. Pelo caminho passei por pequenas aldeias como Edda, famosa pelo seu queijo, que com os seus canais faz lembrar Amesterdão em ponto pequeno. Ao longo da estrada a água é constante, não apenas a da chuva, mas pelos inúmeros canais, lagos, rios e diques, entre outros, que povoam os campos, bastante cultivados e cheios de animais. Atravessei para o outro lado do país por um enorme dique que foi o responsável por criar o tal lago Idjsell, não sem antes ter de parar o carro para se abrir um canal e deixar passar para o mar um conjunto de barcos.
Já no lado direito do lago, na província de Friesland, cheguei à estação de extracção de água de Wouda. Construída em 1920, é a maior estação a vapor do mundo e ainda se encontra em funcionamento. Com direito a uma visita guiada gratuita e personalizada (pois era o único não holandês), se tivesse prestado atenção em vez de tirar fotos poderia aqui descrever o funcionamento das dezenas de motores, pistões e válvulas. Mas assim apenas posso dizer que extrai água de um sítio para outro... e que funciona a gás em vez do original carvão.
Como não estava à espera de visita tão demorada pouco mais tempo tive durante a tarde, indo directamente para a pousada da juventude de Apeldoorn. Apesar de também se encontrar no meio de um parque natural, esta estava cheia de putos do secundário, bebendo cerveja e cantando karaoke enquanto os professores viam o festival da eurovisão, e depressa percebi que teria de partilhar a camarata com mais duas pessoas. As pousadas da juventude são baratas, asseadas, e até uma boa maneira de conhecer pessoas, mas a comida não é o seu forte, muito pelo contrário. Como tal, peguei no carro e fui comer e beber que nem um alarve num restaurante mexicano no meio da cidade, não sem antes ter uma guerra aberta com o GPS, que embirrava em me enviar para becos sem saída. Regressei ao hostel, li o meu livrinho, ainda fui gozado pelos professores dos tais estudantes pelo facto de Portugal não estar na final da Eurovisão (o que me deixou muito triste, ou não) e fui-me deitar, desta vez com os tampões nos ouvidos.
No último dia deixei para trás os moinhos, diques, barragens e afins e resolvi dar uma de turista mais convencional. Fui para o parque natural de De Hoge Veluwe, usei uma das bicicletas que o parque fornece gratuitamente e feliz da vida pedalei cerca de 20km durante a manhã toda, através de um bosque com inúmeros lagos, passando por um museu de arte contemporânea com um muito engraçado jardim de esculturas.
Depois de almoço e antes de ir para o aeroporto um saltinho ao palácio de Heit-Loo, residência de férias dos reis holandeses, do estilo do palácio do Queluz, mas mais fraquinho, na minha opinião.
Fiquei com a impressão que a Holanda se divide entre Amesterdão com as suas coffee-shops e o bairro da luz vermelha, símbolos de um país considerado dos mais tolerantes da Europa, e o resto do país, muito mais virado para a natureza, para o campo e para a água, e conservador como o resto da Europa.
Fotos em: http://lbaia.fotopic.net/c1286906.html
Na sexta depois de almoço saí de Schiphol em direcção a sul debaixo de uma chuva quase torrencial acompanhada de um forte vento. Estas duas situações meteorológicas, muito usuais por estas bandas e que fazem com que a Holanda seja conhecida como o país da chuva horizontal, aliadas ao facto de 70% do país se encontrar abaixo do nível do mar (só por curiosidade, o aeroporto de Schiphol está 4m abaixo do nível do mar, bem como Amesterdão), faz com que ao longo dos anos inúmeros diques e barragens tenham sido construídas para travar as constantes inundações.
Devido à chuva não pude parar no Keukenhof Garden, o maior jardim de flores do mundo (a Holanda também é o país das tulipas). Continuei para sul até a província de Zeeland, e felizmente a chuva parou. Em Fevereiro de 1953, uma maré viva e uma forte tempestade no mar do Norte fez com que os níveis das águas do mar subissem 5,6m. Os diques existentes não conseguiram suster o avanço das águas e o resultado foram 1835 mortos e 70000 pessoas evacuadas. As inundações cobriram 10% da superfície do país, tendo ainda destruído 10000 edifícios e morto 30000 animais. Nasceu depois disso o Delta Project, um conjunto de diques e barragens para proteger contra estas situações. A minha primeira paragem foi no Oosterscheldekering (nome simpático), a maior destas barragens e que cortou o mar no sul do país. É uma obra de engenharia impressionante, com cerca de 15km e por onde passa uma autoestrada, foi criado um lago artificial.
Continuei a minha viagem até à pousada de juventude de Dordrecht, onde iria dormir nessa noite. Quando lá cheguei fiquei contente porque a pousada ficava no meio dum parque natural (o Biesbooch) e estava quase vazia, o que fez com que ficasse sozinho numa camarata assim não tendo de tirar para fora os tampões para os ouvidos, indispensáveis nestas situações. Depois de um jantar um pouco atribulado, em que fui obrigado a devolver uma perna de frango, resolvi ir dar um passeio junto ao lago. Terminar o dia a ler um livro junto a um lago, ouvindo os pássaros cantar é um daqueles prazeres inigualáveis.
No sábado acordei cedo mas uma forte chuvada manteve-me na cama mais algum tempo, mas deixou-me preocupado pois os meus planos implicavam um dia extenso. Por fim a chuva amainou e pus-me a caminho. Uma das razões porque resolvi ficar nesta zona foi por causa dos moinhos de Kinderdijk, 19 no total, construídos no séc. XVIII para drenar as águas da zona, e que inspiraram inúmeros quadros dos mestres holandeses como o Van Gogh. Fotografar estes moinhos com esses quadros na mente era o meu objectivo. O tempo cinzento não ajudou, ainda assim foi uma sessão produtiva.
Após os moinhos segui para norte pelo lado esquerdo do lago Idjsell, mais um criado artificialmente umas dezenas de anos atrás. Pelo caminho passei por pequenas aldeias como Edda, famosa pelo seu queijo, que com os seus canais faz lembrar Amesterdão em ponto pequeno. Ao longo da estrada a água é constante, não apenas a da chuva, mas pelos inúmeros canais, lagos, rios e diques, entre outros, que povoam os campos, bastante cultivados e cheios de animais. Atravessei para o outro lado do país por um enorme dique que foi o responsável por criar o tal lago Idjsell, não sem antes ter de parar o carro para se abrir um canal e deixar passar para o mar um conjunto de barcos.
Já no lado direito do lago, na província de Friesland, cheguei à estação de extracção de água de Wouda. Construída em 1920, é a maior estação a vapor do mundo e ainda se encontra em funcionamento. Com direito a uma visita guiada gratuita e personalizada (pois era o único não holandês), se tivesse prestado atenção em vez de tirar fotos poderia aqui descrever o funcionamento das dezenas de motores, pistões e válvulas. Mas assim apenas posso dizer que extrai água de um sítio para outro... e que funciona a gás em vez do original carvão.
Como não estava à espera de visita tão demorada pouco mais tempo tive durante a tarde, indo directamente para a pousada da juventude de Apeldoorn. Apesar de também se encontrar no meio de um parque natural, esta estava cheia de putos do secundário, bebendo cerveja e cantando karaoke enquanto os professores viam o festival da eurovisão, e depressa percebi que teria de partilhar a camarata com mais duas pessoas. As pousadas da juventude são baratas, asseadas, e até uma boa maneira de conhecer pessoas, mas a comida não é o seu forte, muito pelo contrário. Como tal, peguei no carro e fui comer e beber que nem um alarve num restaurante mexicano no meio da cidade, não sem antes ter uma guerra aberta com o GPS, que embirrava em me enviar para becos sem saída. Regressei ao hostel, li o meu livrinho, ainda fui gozado pelos professores dos tais estudantes pelo facto de Portugal não estar na final da Eurovisão (o que me deixou muito triste, ou não) e fui-me deitar, desta vez com os tampões nos ouvidos.
No último dia deixei para trás os moinhos, diques, barragens e afins e resolvi dar uma de turista mais convencional. Fui para o parque natural de De Hoge Veluwe, usei uma das bicicletas que o parque fornece gratuitamente e feliz da vida pedalei cerca de 20km durante a manhã toda, através de um bosque com inúmeros lagos, passando por um museu de arte contemporânea com um muito engraçado jardim de esculturas.
Depois de almoço e antes de ir para o aeroporto um saltinho ao palácio de Heit-Loo, residência de férias dos reis holandeses, do estilo do palácio do Queluz, mas mais fraquinho, na minha opinião.
Fiquei com a impressão que a Holanda se divide entre Amesterdão com as suas coffee-shops e o bairro da luz vermelha, símbolos de um país considerado dos mais tolerantes da Europa, e o resto do país, muito mais virado para a natureza, para o campo e para a água, e conservador como o resto da Europa.
Fotos em: http://lbaia.fotopic.net/c1286906.html
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