Friday, August 18, 2006

Serra da Estrela


Duas opções se colocavam para o fim de semana grande de Agosto. Por um lado uma autonomia na Serra da Estrela, dormindo ao relento, comendo comida liofilizada, bebendo água desinfectada e andando 8h/dia com uma mochila carregada. Por outro lado podia ir para Tavira, apanhar uma praia e usufruir de boa comida e bebida.
A tradição da praia e do Algarve vs. a aventura da montanha. O conforto físico vs. o conforto espiritual.
Escolhi a serra. Porquê? Nem eu sei, simplesmente foi o que me apeteceu. Mas não deixei de pensar para mim "Será que valerá a pena?"

O primeiro dia começou em Manteigas, prosseguindo por um estradão de terra batida ao longo do vale do Zêzere, para de seguida abandonarmos o estradão e continuarmos por caminhos de pastores na encosta do vale, em que era díficil encontrar o caminho e tínhamos de atravessar algumas passagens aéreas de algum grau de dificuldade. Por fim subimos através de um caminho de pedra para chegarmos a outro vale, neste caso o da Candeeira onde pernoitámos, não sem antes tomarmos um banho num pequeno riacho e observarmos o sol a por-se...

O passeio podia muito bem ter passado por um Workshop de material de montanha. Isto porque entre nós se encontrava o Dr. Gadget (nome fictício), médico de profissão, completamente obcecado com tudo referente a material de montanha. Passou o passeio todo a nos tentar explicar quais as diferenças técnicas entre os diversos tipo de saco-cama existente, ou porque o seu púcaro de titanio era melhor que o meu de aluminio (apesar de custar 10x mais), ou ainda a falar sobre as 16(!) mochilas que tinha em casa. Enfim, nestes passeios tem de haver sempre um cromo, mas pelo menos diverte o pessoal.
E apesar dos gadgets todos, de conseguir encafuar numa mochila de 25 litros mais tralha que eu numa mochila com o dobro do tamanho, era sempre o primeiro a sucumbir ao esforço e a ficar para trás nas íngremes subidas. Isto prova que o equipamento não é tudo, e muito menos substituto para o exercício físico.

Pouco acostumado a estas andanças, o meu corpo despertou no dia seguinte mal os primeiros raios de luz se viram no horizonte. Tive assim oportunidade de observar um nascer do sol muito bonito, um excelente tónico para iniciar o 2º dia de caminhada. E nada melhor que começar com uma subida íngreme até ao Planalto Central. Contava quem conhecia aquilo de outros anos que era desolador ver aquilo tudo queimado. Eu continuava deslumbrado... Atravessámos o planalto na direcção das zonas mais altas da serra, o Cume e a Torre. Só fomos ao primeiro pois não nos interessava o contacto com pessoas apenas interessadas em tirar fotos no ponto mais alto de Portugal Continental e em comprarem um chouriço ou queijo no horrível centro comercial que se encontra na Torre. Por fim começámos a descer o vale de Loriga, atravessando os covões de origem glaciar que se formaram milhões de anos atrás. Foi num destes covões que montámos acampamento e descansámos de mais um dia cansativo.

À noite conversava-se, ouvia-se os sons da montanha e observava-se as estrelas.
As conversas andavam quase sempre à volta de viagens, relembrando sonhos já realizados e imaginando futuros projectos.
Nepal, Nova Zelândia, Marrocos, Escócia, Patagónia, Alpes, foram apenas alguns dos locais relatados. Relatos de mundos reais vividos por pessoas reais, não relatos de um mundo ideal promovido pelas agências de viagem ou de um mundo formal descrito pelos guias Lonely Planet.

Adormecer a observar um céu estrelado e iluminado por uma lua radiosa dá-nos uma sensação de poder, por momentos pensamos que aquilo é tudo o que existe, e que é tudo nosso. Desde a observação das estrelas principais, até à descoberta das constelações onde se encontram essas estrelas, passando pelos desejos que se pedem cada vez que uma estrela cadente cruza o céu. Até finalmente sucumbirmos ao cansaço e adormecermos no saco-cama.

A meio do 3º dia chegámos a Loriga, abandonámos a montanha para regressarmos à civilização... telemoveis, tv, carros, pessoas, tudo isso voltou ao nosso quotidiano. Estava cansado do esforço e com o corpo e a mente a implorarem por um
banho quente e uma refeição decente. Mas ficaram na alma o companheirismo, as paisagens deslumbrantes e a certeza que a pergunta inicial tem uma resposta fácil: "Valeu muito a pena!".